quinta-feira, 25 de julho de 2019

"No-lo", "no-la"...

São Paulo, Avenida Faria Lima. Estava conversando com um amigo em uma cafeteria.
Falávamos sobre Portugal, doces portugueses*, futebol português, etc.
De repente, em tom de confidência, ouço:
-Waldir, tenho uma dúvida de português. Prejudica algumas leituras. O que é o "no-lo", "no-la" que lemos, às vezes, nos livros?.

É comum: às vezes terminamos o Ensino Médio, terminamos a Faculdade, mas algumas dúvidas nos perseguem.

Segue então uma explicação de "no-lo", "no-la".

Definição: "no-lo" é a combinação de dois pronomes oblíquos: nos + o.

As possibilidades de contração desses pronomes são:

nos + o   = no-lo
nos + os = no-los
nos + a   = no-la
nos + as  = no-las

Agora fica fácil entender a utilização de "no-lo"

Exemplo:

-Eu dei o celular vocês?
-Sim, você no-lo deu.
(você nos deu o celular; você o deu para nós --> nos + o = no-lo).


*estávamos na Quinta do Marquês, estabelecimento conhecido pela fabricação de doces portugueses.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

Apossínclise

Meus alunos não se sentem muito entusiasmados quando o tema da matéria é COLOCAÇÃO PRONOMINAL.

Graças a Deus (diriam eles), os livros didáticos não trazem em seu conteúdo, além da ênclise, da próclise e da mesóclise, a APOSSÍNCLISE.

Você já ouviu falar dela?

Atente para a seguinte frase:

Se isso o não incomodar, prefiro ir com você.

Talvez você tenha se lembrado das aulas de português do colégio e tenha notado que a colocação pronominal aí não se alinha com nada do que aprendeu.

Tradicionalmente, a Gramática exigiria aí a ocorrência da próclise por causa do advérbio de negação "não" ("se isso não o incomodar..."). Entretanto, era uso corrente no português arcaico e clássico a utilização da apossínclise.

Soa estranho para a língua falada (e escrita) de hoje, mas é possível encontrá-la com boa frequência em autores do século XIX e de séculos anteriores.




quarta-feira, 2 de janeiro de 2019

Difícil conjugação de verbos muito (ou pouco) utilizados

Para descontrair o momento de aprendizado de meus alunos, costumo perguntar em sala de aula:

Vocês sabem conjugar o verbo apropinquar?

Nem todos conseguem conjugá-lo corretamente de imediato. Você conseguiria?

Esse verbo segue o padrão dos verbos aguar, desaguar e enxaguar, verbos de uso frequente no dia a dia.

Minha mãe, em sua cidade no Sul de Minas, tem uma pequena plantação de hortaliças. Se ela pedisse um voluntário para aguar suas plantas, o que deveria responder aquele que se dispusesse a aguá-las?

Eu águo ou Eu aguo?

Veja como se dá a conjugação do verbo aguar (o mesmo vale para desaguar) e enxaguar:

Eu águo           Eu enxáguo
Tu águas          Tu enxáguas
Ele água           Ele enxágua
Nós aguamos   Nós enxaguamos
Vós aguais       Vós enxaguais
Eles águam      Eles enxáguam

E a conjugação do verbo apropinquar?

Eu apropínquo
Tu apropínquas
Ele apropínqua
Nós apropinquamos
Vós apropinquais
Eles apropínquam



sexta-feira, 2 de novembro de 2018

Escreva sem repetição: Os Verbos Vicários

Os verbos vicários são aqueles que substituem outros verbos. Comumente os verbos mais utilizados como vicários são o "ser" e o "fazer".

Por exemplo:

Cláudio sempre vinha à biblioteca, mas há tempo que não o faz. ("o faz" = ir à biblioteca)

A sua defesa de mestrado se realizou ontem, mas não foi como se esperava ("foi" = se realizou)

Todos nos vemos diante de um desafio ao escrever: evitar a repetição de vocabulário. Repetir palavras revela descuido ou despreparo na escrita. Os verbos vicários são ótimos recursos para transmitir mais coesão ao nosso texto!

terça-feira, 21 de agosto de 2018

Esquisito!

As palavras não têm significado cristalizado, imutável, concluído. Um exemplo imediato desse fato é a palavra "esquisito".

Acompanhe o raciocínio.

No Latim, o verbo exquaero (examinar, escolher a dedo) tem o particípio exquisitum.

Nas línguas europeias formaram-se as palavras
exquisito no espanhol,
exquis no francês,
squisito no italiano.
exquisite no inglês
exquisit no alemão

Todas essas palavras têm o significado de "refinado", "rebuscado", "muito bom", ou seja, retomam o sentido latino de "escolhido a dedo".

No português, por sua vez, hoje a palavra "esquisito" tem um sentido negativo, como "estranho", excêntrico", etc.

Entretanto, no passado, "esquisito" também teve o sentido de "refinado", como lemos em Camões (Os Lusíadas, 6.96): "manjares exquisitos".

A seguir, mostro outras palavras que tiveram o significado alterado (acompanhadas do processo de alteração semântica):

Restrição do significado:
"Fortuna": originalmente indicava o destino, tanto o bom como o mau. Hoje, a palavra é usada no sentido de "destino bom" (e, pela mentalidade materialista, adquiriu o sentido de "grande quantia de dinheiro").

Enobrecimento do significado:
"Pedagogo": originalmente era o escravo que conduzia a criança à escola. Hoje, a palavra indica a profissão daquele que trabalha com educação de crianças.

Degradação do significado:
"Vilão": originalmente, indicava o camponês, o homem que habitava a vila ("aldeia" ou "quinta"). Hoje, indica pessoa rude e perversa.

sábado, 11 de agosto de 2018

O Novo Acordo Ortográfico (II)

O caso do Trema

Farei a seguir uma lista de verbos. Você consegue pronunciá-los corretamente sem hesitar?

Delinquir
Arguir
Seguir
Extinguir
Retorquir
Distinguir
Extorquir
Quinquagésimo

Resposta: "delinqüir", "argüir", seguir, extinguir, retorquir (ou "retorqüir"), distinguir, extorquir, "qüinquagésimo".


Como se vê, a ausência do trema desfavorecerá a pronúncia correta de certos verbos. Claro que, como não há hesitação de pronúncia na maioria das palavras em que o "u" é pronunciado (aguentar, tranquilo, linguiça, pinguim, frequentar, consequência, etc.), não se quis perpetuar o uso desse sinal para indicar a pronúncia correta de apenas algumas palavras.


-As consoantes mudas

Não existe mais "carácter", "nocturno", "acção", "Egipto", "adoptado", "etc.

Uma curiosidade: as palavras formadas a partir de Egito retomam o "p" (tanto na pronúncia como na escrita): egiptologia, egiptólogo, etc.



quarta-feira, 1 de agosto de 2018

Haplologia

Muitos me perguntam por que a fala às vezes é tão distanciada da escrita. Pretendo escrever uma série de artigos sobre essa tema. Este é o primeiro.

Em situação de informalidade, dificilmente ouvimos as expressões "pode deixar" ou "deixa eu ver" (sic) sem que ocorra a supressão da primeira sílaba. Erro linguístico?

Na verdade, a supressão de fonemas é essencial para a formação dos vocábulos da língua portuguesa.

Vejamos.

Tragicomédia ---- trágico + comédia --- "tragicocomédia" (supressão do "co" de "trágico")

Idólatra ----- ídolo + latra (gr. latreio) ---  "idololatra" (supressão do "lo" de "ídolo")

Bondoso ----- bondade + oso (sufixo) --- "bondadoso" (supressão do "da" de "bondade")

Idoso ----   idade + oso (sufixo) --- "idadoso" (supressão do "da" de "idade")

Tal fenômeno se chama "Haplologia".

Traduzindo do grego: "palavra simples" ("haplo": simples).

"No-lo", "no-la"...

São Paulo, Avenida Faria Lima. Estava conversando com um amigo em uma cafeteria. Falávamos sobre Portugal, doces portugueses*, futebol port...