sexta-feira, 27 de julho de 2018

Hifenização. Substantivos Compostos

Os substantivos compostos são realmente interessantes. Eles são portadores de significados novos e são formados a partir de palavras já existentes.

Saber empregar o hífen na hora de escrever, portanto, é essencial.

Compare os seguintes enunciados:

Comprei um algodão-doce. Comprei um algodão doce.
Comprei um ar-condicionado. Sou alérgico a ar condicionado.
Ele é um cabeça-dura. Ele tem a cabeça dura.

Algodão-doce é um doce feito quase que exclusivamente de açúcar. Algodão doce são pelos brancos em que alguém colocou açúcar.

Ar-condicionado é um aparelho elétrico que resfria o ar. O ar condicionado é o ar que sai desse aparelho.

Cabeça-dura é uma pessoa teimosa. Quem tem uma cabeça firme, difícil de movimentar, tem uma cabeça dura.

Experimente construir frases assim com seguintes palavras:

Dedo-duro
Carro-forte
Boa-vida


A regra geral da hifenização é esta: leva hífen o substantivo composto por duas palavras que têm existência plena por si só. Exemplos: amor-próprio, ano-luz, cidade-satélite, cê-cedilha.

Se houver alguma preposição entre as palavras, a regra é não colocar hífen (p. ex. "pé de moleque"), exceto em palavras já consagradas pelo uso, como explico no artigo abaixo.



N.B.: para alguns substantivos compostos, em que já se tenha perdido a noção de composição, utiliza-se a grafia aglutinada: girassol, paraquedas, etc. Em Guimarães Rosa (Grande Sertão: veredas), encontra-se o substantivo composto "sem-vergonhice" assim grafado: "severgonhice".

Desafio: qual é o plural das palavras acima? Respondo nos comentários.

quinta-feira, 26 de julho de 2018

O Novo Acordo Ortográfico (I)

Imagine ler um texto e encontrar as palavras escritas da seguinte maneira:

diphthongo, grammatica, lyrio, orthographia, pharmacia.

Até o início do século XX a grafia do português baseava-se na ortografia etimológica, em que se leva em conta a história da língua. Assim, "pharmacia" escrevia-se com "ph" porque é uma palavra derivado do grego "phármakos".

Em 1911, em Portugal, essa ortografia deixou de existir a partir de uma ampla reforma ortográfica  (que seguiu a Implantação da República Portuguesa em 1910).

Em 1945, tentou-se o primeiro Acordo Ortográfico entre Brasil e Portugal. A partir daí caiu, por exemplo, o acento diferencial utilizado em palavras como "êle", "gêlo", "sôbre", etc.

 Em 1990, realizou-se um novo acordo ortográfico, agora assinado por Portugal, Brasil, Angola, Moçambique, entre outros. É esse o acordo que regulamenta nosso atual sistema de ortografia. Passou a viger no Brasil a partir de 2016, e em Portugal, a partir de 2012, embora alguns portugueses cabeças-duras ainda teimem em não segui-lo (recentemente adquiri um livro de Portugal, publicado em 2017, e, na ficha de descrição estava escrito: a presente edição não segue a grafia do novo acordo ortográfico).

É um acordo ruim? Não, é muito bom, mas não quer dizer que seja perfeito. Neste artigo e em alguns outros, vou apontar algumas novidades que julgo serem pontos deficientes.



-Hífen dos substantivos e adjetivos compostos

   Antes do acordo, os substantivos compostos formados por dois elementos por preposição eram hifenizados: pé-de-moleque, mula-sem-cabeça, pão-de-ló. Nessas palavras, o hífen não existe mais. Vejamos o plural dessas palavras

pé de moleque    ---   pés de moleque
mula sem cabeça ---  mulas sem cabeça
pão de ló             ---  pães de ló

Entretanto, o hífen continua existindo em alguns substantivos e adjetivos considerados como  "consagrados pelo uso":  cor-de-rosa, mais-que-perfeito, pé-de-meia, joão-de-barro, peroba-do-campo.

A questão é: como saber se a grafia já foi consagrada pelo uso? Só há uma solução: consultar o  VOLP (Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa - consultar no site da Academia Brasileira de Letras)


segunda-feira, 23 de julho de 2018

Eu fecho: "fêcho" ou "fécho"?

O correto hoje é eu "fêcho".

Vou explicar por que a existe a tendência de se falar eu "fécho".

Vejamos o que acontece com as vogais em alguns verbos e substantivos correlatos:

o peso -------- eu peso
o selo ---------eu selo
o gelo -------- eu gelo
o zelo -------- eu zelo


Como você pronunciou a vogal tônica dos verbos acima? Fechada "ê" ou aberta "é"?

A tendência é se fazer o mesmo com o verbo "fechar" e o substantivo "fecho":

o fecho ------- eu fecho.

O mesmo se dá com:

o choro -------- eu choro
o gosto -------- eu gosto
o namoro ------ eu namoro
o troco -------- eu troco

Entretanto...


sexta-feira, 20 de julho de 2018

Mas porém

Muitos se desagradam quando ouvem alguém falar "mas porém".

Dão algumas razões para condenar esse uso. Dizem que é desnecessária a repetição de conjunções adversativas, que é um defeito de linguagem, que é um pleonasmo vicioso, etc.

Ledo engano, que injustamente condena uma expressão correta e sã.

Em "mas porém" não há repetição de duas conjunções adversativas, porque aí o "porém" não é conjunção adversativa. Vou explicar.

"Porém" vem do latim proinde, que, dentre outros significados, tem a significação de "por isso".

Eis um esquema da variação da palavra:
proinde > por ende > pro en > por en 

Em outras palavras, "mas porém" é uma maneira antiga de se dizer "mas por isso..."


Trata-se, portanto, de um arcaísmo, e não de um vício de linguagem.



N.B.: "mas porém" é encontrado em Camões (Os Lusíadas, 6.18) e também em Guimarães Rosa (Grande Sertão: Veredas): "Mas porém, o chefe nosso, naquele tempo, já era - o senhor saiba -: Zé Bebelo!"

"Em que pese..."

Qual das duas frases abaixo está correta?

Em que pesem as afirmações do governo, vê-se que o Brasil está bem conduzido.

Em que pese às afirmações do governo, vê-se que o Brasil está bem conduzido.

Tudo depende do significado que se queira dar ao ver "pesar". "Pesar" é um verbo polissêmico, por isso haverá mais de uma construção possível.

Se "pesar" for entendido por "influenciar", "ter peso", "ter importância", então ele deverá concordar com seu sujeito. Por exemplo:

Em que pesem as reflexões dos sócios, a empresa deverá tomar sua decisão em breve.

Mas o verbo "pesar" também tem o significado de "provocar sentimento de tristeza", "causar desgosto". Nesse caso, ele tem um sentido moral e passa a ser transitivo indireto. Se for utilizado na expressão "em que pese", deve ser entendido como "em que [isto] pese a algúem". Assim, o correto será dizer:

Em que pese aos trabalhadores, a empresa não dará aumento salarial.
Em que pese às funcionárias, a empresa não dará aumento salarial.

Note-se, portanto, que são duas expressões distintas, que têm igualmente significados distintos.


terça-feira, 17 de julho de 2018

Eis!

O que realmente é o "eis" português?

Atualmente, a origem dessa palavra é dada pelos gramáticos e linguistas como desconhecida.

Prefere-se entender sua origem como remontando ao verbo "aveis" (vós haveis), mas há quem o relacione com o "ecce" latino.

Fato curioso é que, sendo advérbio, a ele se unem pronomes pessoais átonos: eis-me, ei-lo, eis-vos, etc. Isso seria um indício de sua origem verbal.

Quanto ao significado, os dicionários dão "aqui está", "veja". Na verdade, ele marca algo que a primeira pessoa do discurso tem como perto ou presente, p.ex.: "eis o dinheiro".

Pode ser reforçado por outros advérbios, como "aqui" ou "ali". Além disso, pode formar as expressões oracionais "eis que..." e "eis senão quando...", utilizadas para se introduzir alguma informação.


Encontramos em Gil Vicente, O Velho da Horta, um exemplo de uma utilização coloquial e rústica do "eis": "Eis-eu aqui".


As oxítonas terminadas em "ar" e as influências estrangeiras na Língua Portuguesa

Qual a pronúncia correta de palavras como:
Madagascar,
Gibraltar,
Oscar,
Bolivar?

Se você respondeu que são oxítonas, acertou.

Acontece que, no dia a dia, as pessoas as pronunciam de maneiras variadas. Eis um caso típico de como as línguas estrangeiras influenciam nossa língua.

Por influência da língua inglesa, querem alguns pronunciar Madagáscar, Óscar, Gibráltar. No caso de Bolivar, prefere-se Bolívar, por influência da língua espanhola.

Imagine se cada um quiser pronunciar as palavras seguindo seu critério próprio...

Atendo-nos às palavras oxítonas terminados em "ar", o que seriam dos verbos: amar, cantar, dançar, etc?

quinta-feira, 12 de julho de 2018

Quem tem medo da crase?

"Esse 'a' tem crase?"

Nenhum "a" tem crase. Na escrita, às vezes o "a" recebe um acento grave e fica marcado como "à". Acontece que o imaginário popular dos falantes de português pensa que crase é colocar um acento no "a". O verbo (já dicionarizado) "crasear" deve ser entendido como "colocar o sinal de crase" e não "colocar o acento grave no 'a'".

Ponhamos bem dito: a crase nada mais é do que uma fusão entre o artigo feminino "a" e a preposição "a".

Por serem idênticas na grafia e na sonoridade, convencionou-se colocar o acento grave quando esse artigo e essa preposição se encontram.

Vou exemplificar.

O verbo "ir" requer a preposição "a".
O substantivo "escola" é feminino.
Logo, temos:

Vou a             +           a escola   =>    "Vou a a escola"   =>   Vou à escola 

Já reparou que nem sempre utilizamos o artigo feminino para nos referirmos a um substantivo feminino? Por exemplo, escrevemos "vou à cidade" ("cidade", substantivo feminino"), e, por outro lado, escrevemos "vou a Copacabana" ("Copacabana", substantivo feminino").

Por que ocorreu o fenômeno da crase no primeiro caso e não ocorreu no segundo?

Simples. Todos diriam, "vim da cidade", ao passo que ninguém diria "vim da Copacabana", mas sim "vim de Copacabana", ou seja, não se usa o artigo feminino diante de preposição para essa palavra. Logo, não ocorrerá o fenômeno da crase porque não há artigo.


Tendo a definição em vista, não há motivo para se preocupar com a crase.


DO GREGO AO PORTUGUÊS, DO LATIM AO PORTUGUÊS

Na língua grega, o verbo keránymmi (significado: "misturar") dá origem ao substantivo feminino krásis (significado: "mistura"). Daí o termo português "crase".

Foneticamente, na língua portuguesa essa "mistura" não está restrita apenas ao caso do "a" preposição e o "a" artigo.

Vejamos o caso da palavra "ler".
Do latim, temos "legere" (significado: "ler").
No português antigo, tivemos "leer", e hoje temos "ler"
Ora, nessa palavra também encontramos o fenômeno da crase: um "e" se fundiu a outro "e".
No entanto, por não ser necessário, não se marca esse fenômeno com nenhum tipo de sinal.
Caso contrário, a linguagem popular também traria: "esse 'e' tem crase?". 


A origem do Zé Povinho

A origem do substantivo zé-povinho.

E qual seria o plural de zé-povinho?

O VOLP da ABL aceita estas duas possibilidades: zé-povinhos ou zés-povinhos.

Aconselho o documentário da RTP

http://ensina.rtp.pt/artigo/o-ze-povinho-de-rafael-bordalo-pinheiro/

"No-lo", "no-la"...

São Paulo, Avenida Faria Lima. Estava conversando com um amigo em uma cafeteria. Falávamos sobre Portugal, doces portugueses*, futebol port...